“A ideia de que é
possível ensinar sem dificuldade deve-se a uma representação etérea do aluno. A
sabedoria pedagógica deveria representar-nos o cábula como um aluno tão normal
quanto possível: o que justifica plenamente a função de professor uma vez que temos
«tudo» a ensinar-lhe, a começar pela própria necessidade de aprender! Ora, não
é o que se passa. Desde a noite dos tempos escolares, o aluno considerado
normal é o aluno que oferece menos resistência ao ensino, o que não duvida da
nossa sabedoria e não põe à prova a nossa competência, o aluno antecipadamente
conquistado, dotado de uma compreensão imediata, susceptível de nos poupar a
procura das vias de acesso à sua capacidade de compreender, um aluno
naturalmente preocupado com a necessidade de aprender, que deixa de ser um
aluno turbulento ou um adolescente com problemas durante a nossa hora de aula,
um aluno convencido desde o berço de que deve controlar os desejos e as emoções
pelo exercício da razão se não quiser viver numa selva de predadores, um aluno
ciente de que a vida intelectual é uma fonte de prazeres que pode ser variada
até ao infinito, requintada ao extremo, enquanto a maior parte dos nossos
restantes prazeres está votada à monotonia da repetição ou ao desgaste do
corpo, em suma, um aluno convicto de que o saber é a única solução: solução
para a escravatura em que nos manteria a ignorância e consolação surpreendente
para a nossa ontológica solidão.”
Mágoas da Escola
Editor: Porto Editora
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